sábado, 2 de outubro de 2010

Zarpar 2

Se a vida é o meu navio
Aprenderemos a varrer as estrelas
Antes de desabotoar o que era reservado
Enquanto a tormenta nos tentar alçar
Consertarei seu casco
Todas as vezes que parecer nos afundar
Com suas mãos íntimas demais
A percorrerem meu corpo
Talvez você lembre de como é navegar
Por lugares onde não temeria se perder outra vez
Seu olhar doce, seus cheiros
E toda a maresia
Da rota que decidimos seguir
Palavras estragariam tudo
Como em um piscar
Desarmado de qualquer ironia
O capitão estava entregue
Sentia o que almejava
Naquela alma de aventuras
Nadando por cima da pele macia
O mar se agitava quando
Entre-laços meu navio queimava
Celebrava o romance no seu espaço
Até tudo se esvair
Na velocidade da luz estrelar.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Jogo de Setembro

Há quilômetros, distante acompanhei seu mundo
Você na terra, eu no espaço, a cada dia menos visível
Em uma espécie de panóptico que sustenta meu segredo
Quando o sol brilha ainda estou lá
Todo dia o encanto é lançado, e então torno endoidecer
Suas boas intenções têm cor acinzentada
Contam bem mais para pequeno
Aprecio o colorido que floresce
seu brilho escondido em porões
Onde o jardins não costumam ter muros
Já começou setembro
A brisa continua sem um abraço aquecido
Conversei com as borboletas
E percebi que já não voavam como antes
Pobres seres, morreram por asfixia
As que escaparam, voaram para fora de minha barriga
Em direção a outro um olhar apaixonado
Meu mundo tem apreciado os espasmos do silêncio
Os pedaços de promessas que estão por toda parte
Agora insignificantes as palavras
O jogo acabou e não enxergo um vencedor
Embaralho as cartas sem pressa para recomeçar
Dessa vez vou jogar meu Ás na hora certa
Nada de jogar os dados e prometer amor
Você não sobreviverá, se não correr
Então corra! O mais rápido que puder
Saia antes do sol nascer
Amanhã meu peito não será mais um lar ruído
Quando o mundo voltar a pegar fogo
Não vou olhar para trás.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Zarpar 1

Não é mais tão baldio o terreno que se foi
Devastado por um crustáceo astral e cruel
Um que me incentivava a conversar com estrelas
Enorme era a semelhança entre ambos
Hoje as procuro no céu e duramente as ignoro
São apenas pingos de desperdício
Quilos de amor guardados na voz do silêncio
Agir como um crustáceo seria perguntar:
Você não vê o quanto devastou?
Meu barco era o melhor
E o capitão não parecia um pirata perdido
A neblina escondeu todas aquelas suas partes bonitas
Enquanto cantava “eu sei que vou te amar”
Você nadava rumo ao sul, frio, até desaparecer
E aquele cheiro salgado do mar que a brisa trazia, gritava
Tudo gritava dizendo abandono
Sem sucumbir, a via partir
Partes da inocência iam junto à vulgaridade daquela mergulhadora
Disse apenas: siga em frente!
Para as velas do coração foi como zarpar
Dar voltas pelo oceano sem o perigo dos olhos negros aventureiros
Para encontrar um paraíso que não faça pesar tanto o coração.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Barco perverso

Estar navegando nesse mar de sons desafinados
A esperar por tempestades, ao passar por elas, nada avistar
Poderia nadar pelas cordas desse mar por mais tempo
Satisfazer-me de uma emoção medíocre e contar para a lua
Deveria temer ao iceberg, ele está longe
Ele não derreteu enquanto parecíamos estar quentes
Ainda encrava um espaço grandioso vindo do lugar mais profundo
O barco viaja com um capitão bêbado, uma bússola antiga no peito
A cada tempestade que sobrevivo, escuto a música que me faz desejar o mar
Não é mais um resgate do que pereceu congelado
Navego apenas para salvar o coração do capitão
Converso com as estrelas porque são o que tenho esta noite
A fé é o que sinto, além de um amor tolo e solitário pelo mar.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Rosa



Vi-te rosa
Tu cruzastes o meu caminho
Ao te olhar não fui sozinho
Tu soltaste o teu perfume
Te segui me apaixonei
Vi-te rosa
Só não tive a prosa que ensaiei
Lado a lado, você beijou um passarinho
Que desde então acha que é rei
Vi-te rosa
Tua voz é tão gostosa
Que em meu peito não escondo
Um lugar que já és teu
Vi-te rosa
Bem te quero todo dia
Ver estrelas em noite fria
Te aquecer com a minha asinha
Dar amor, viver, viver
Vi-te rosa
Meu coração hoje palpita
Fiz de novo poesia
Com amor só pra você.

Imagem: Alexandre Carapeto

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

A ópera dos ponteiros


No quarto a música ainda toca
Os ponteiros do relógio se apressaram
Esta noite a vida não se atrasou conversando com a memória
Só por hoje deixei você guardada
Não quis tirar a sua roupa e nem chamei pelo teu nome
Comecei a medicar o pensamento
Pedi uma anestesia geral para amenizar a dor
Aviso! Irei fazer uma cirurgia e a operação vai ser longa

O doutor não me descreveu como será o processo
Mas entreguei meu caso em suas mãos
Talvez ele faça um transplante
Coloque algo mais saudável no lugar afetado
Ou apenas reconstitua a parte adoecida

Durante a operação a música tocou algumas vezes
Com a sua vibração, algumas complicações
O médico experiente logo tratou de mudá-la
Pondo uma mais suave e bonita
Meu pulso foi se estabilizando
Tudo apontava para o sucesso e
Os ponteiros já trabalhavam sem pressa

Não foi necessário o transplante
Enquanto o relógio se apressava a anestesia fazia efeito
Acordei com a surpresa
Sentia outra música
Uma que descreveu toda a cirurgia
E fez-me sentir sã de novo
Pensei... Esse médico é dos bons mesmo!
Voltei pra casa cantando
Havia umas cicatrizes
Não dei muita atenção
Lá a música tocava sem parar
Dizia que todo o sentindo da vida era amar

Percebi um amor insaciável
Esse não tinha cura
Ele percorria minhas veias e queimava o mundo
Mostrava a imensidão da vida
Declarando que o amor que mora em mim
Não pode ser nunca mais inferiozado
Minha prescrição foi: não colocar a felicidade em mãos alheias
Ela estará comigo, sem vícios
Com o devido respeito às limitações
A medicação? Bastante conhecida
Seu nome: amor próprio


Imagem: Vladimir Kush